O livro é dirigido a estudantes e a outros cristãos pensantes e é escrito sob a convicção de que o descarte do Deus revelado na bíblia tem aberto o caminho para o surgimento de novos deuses que podem acabar por destruir seus devotos, como uma jamanta. É escrito com o propósito de deixar a Bíblia falar por si, dando indicadores bíblicos e históricos que auxiliem os leitores na jornada além da modernidade, na contracultura do reino de Deus. É dividido em oito capítulos, os quais serão comentados um a um a seguir.
O capítulo 1 é a Introdução: Modernidade e ídolos. Foi um capítulo de choque no começo, mas que já no seu terceiro tópico começou a fazer sentido – entendi onde o autor estava querendo chegar. E onde é isso? Ramachandra queria chegar no ponto de que em nossa era de radicalização da modernidade o homem está dando as costas para Deus e isso traz muitas e sérias implicações. Ele passa, não a não crer em nada, mas a crer em tudo, pois são perdidas as coordenadas básicas da existência humana. A essência troca-se pela imagem. Agradar os leitores é preferível a desafiar pessoas. O consumismo corrosivo é maquiado para ser entendido como a felicidade. O ser um humano é fragmento em áreas não-conectadas entre si e da mesma forma a ciência. O sentido se perde por completo. E essas consequências são a causa da construção de deuses. E elas mesmas tratam de destruir a modernidade, tornando-a um paradoxo.
O capítulo 2 também foi muito surpreendente, a começar com a primeira frase – uma frase de Marx de quando ele era judeu-cristão, aos 17 anos. Esse capítulo tratou basicamente da religião – tanto secular como com roupagem cristã – sendo capaz de criar ídolos. No lado secular, temos por base Hegel com seu deus impessoal, ou como ele chama, Razão e seguindo essa linha surgiram Marx, afirmando que a religião é o ópio do povo, Feuerbach, afirmando que a religião é um reflexo da própria pessoa e Freud, afirmando que a religião é um estágio infantil da espécie humana e existe por causa da sexualidade subconsciente na infância. Isso nos desafia a repensar a bíblia. Iahweh não é impessoal, é o Deus das mudanças, que exige adoração radical e não era um deus da natureza, como os dos outros povos, incompatível com a injustiça social na comunidade de Israel. Da mesma forma hoje temos inúmeros falsos evangelhos em que a fé está associada a algum interesse (vaga no céu, segurança emocional, cura, status, etc) e não a Deus em si – é uma fé fácil, sem arrependimento, sem dúvidas – morta. E é idolatria, trata-se de manipular “Deus”, diferente da fé bíblica que é grata a Deus por Jesus Cristo e nos torna filhos, agentes e voluntários dele e nos coloca no mundo para a missão. E temos esperança por causa da cruz – que justamente contrária a tudo que os profetas seculares mencionaram. Uma dúvida que o autor respondeu e que para mim foi muito significante foi quanto a interpretação de 1 Tm 6.6ss. Devemos sim lutar/trabalhar por justiça social (ainda que estou orando e pensando em como fazer isso em meu contexto), pois se trata de uma questão de mordomia segundo a vontade de Deus. E realmente o fato disso parecer extraordinário para mim é porque a igreja moderna tem sido afetada pelo egoísmo e isolacionismo moderno. Mas voltando ao tema central do capítulo, a grande falácia por trás dos raciocínios dos profetas seculares é que eles não funcionam se virados contra eles mesmos. E isso indica idolatria – pois são vítimas do engano de si mesmos e dos desejos que eles atribuem a religião e tentar satisfazer com suas utopias. Freud escondia seus registros da infância enquanto tornava a sexualidade um ídolo e Marx tornou a classe trabalhadora um ídolo enquanto zombava dos devotos. Já C. S. Lewis conseguiu ver além – que esses desejos universais (fome, sede, etc) indicam que há algo que os satisfaçam. A alegria é o desejo que só seria satisfeito em Deus – Deus, cuja Palavra revelada na história traz perdão ao passado e esperança para o futuro.
O capítulo 3 discorre sobre a doutrina da criação, mostrando que Deus não criou o mundo e ‘deixou rolar’ – não – ele se envolveu e se envolve com a criação. Ramachandra explicitou a interpretação natural do texto de Gênesis 1 – a literária – nem literal, nem conciliatória. Além disso, ele trouxe à tona as implicações dessa doutrina – a falência do misticismo com astro, a questão do valor intrínseco do ser humano imago Dei, nossa responsabilidade para com a terra –, os seus dilemas (ou não) como o mundo moderno do neodarwinismo, que tenta trazer implicações filosóficas para a biologia de forma incoerente e ainda falou sobre o mistério da soberania divina e responsabilidade humana. Um ótimo capítulo.
O capítulo 4 falou sobre o problema do sofrimento – aparentemente sem sentido e inconciliável com o Deus bom, justo e amoroso que temos. O próprio fato de buscarmos um sentido pressupõe nossa crença em Deus. E assim com Jó, queremos respostas. Deus não lhe deu respostas – apenas mais perguntas e mais conhecimento do caráter dEle. Deus mostrou que também se importa com o sofrimento e ama a todos, por mais injustos que pareçam aos nossos olhos e mais – mostrou que esse amor e essa graça são gratuitos, independentes da vontade de Jó e que ele sabe o que está fazendo, pois está no controle. Ficamos, como Jó com mais perguntas ao terminar esse capítulo, mas ele nos lembra, acima de qualquer coisa, que o nosso Redentor vive e por fim colocará os seus pés sobre a terra. Amém.
O capítulo 5 fala sobre a violência dos ídolos. Como eles são formados, como ‘funcionam’ em seu poder desumanizante, sobre os novos demônios e a ideologia desenvolvimentista – que invoca o deus Mamom como base de classificação dos seres humanos. O autor ainda dá dois exemplos bíblicos – Noé e o dilúvio, onde Deus mostra a resposta caótica à humanidade devido a sua reversão de ordem imposta por Deus - e a torre de Babel – onde os homem dominados pelo orgulho e segurança na uniformidade tentam ser deuses, chegando aos céus. O autor resume o capítulo na seguinte frase: “O nosso pecado humano é simplesmente nos recusarmos a deixar que Deus seja Deus, e tentamos, tanto individualmente quanto coletivamente, tomar o lugar de Deus como centro da realidade.”. (p. 169).
O capítulo 6 fala sobre a ciência e a fé cristã – um tema, que, penso eu, tem muito a ver com a vida universitária de qualquer jovem cristão. Como conciliar essas coisas? Para Ramachandra elas não são tão distantes – aliás, não só para ele – elas realmente não são distantes, pois a ciência surgiu a partir do desejo cristão de entender a grande e sabia Criação com humildade e confiança. Porém hoje a ciência se tornou um ídolo. E como todo ídolo desumaniza e evidência as consequências da Queda. Comentarei mais sobre esse capítulo mais a frente.
O capítulo 7 faz uma abordagem parecida, porém repensando das origens iluministas do ídolo da ciência e como a nossa pessoalidade não subjetiva derruba todos os ídolos criados. Bom, por fim, vem o capítulo 8. Quando li os títulos dos capítulos, criei muitas expectativas sobre o capítulo 8 – afinal é a solução do problema de todo o livro. A cruz, o tema predileto (e com razão) de qualquer cristão, pois é nela onde tudo se revela, tudo cai, as máscaras rolam pelo chão e Deus nos toma para ele. Quando cheguei nele fiquei entusiasmado. Bem minhas expectativas foram superadas! Que capítulo! Cristo venceu todas as idolatrias – aliás, as minou, pois o Deus Crucificado, pela sua fraqueza, venceu toda a força do mal. Retirou todo o orgulho, religiosidade, nacionalismo se ferindo com o nosso pecado, nossas chagas, nossa culpa, nossa maldade e tomando sobre ele. Tudo isso por amor a sua Criação, aos suas criaturas a quem ele devolveu a humanidade, perdida na Queda. E o livro termina com o grande desafio de unir graça e verdade, mudança de mente e atitudes e proclamar o Jesus de verdade, Juiz, Salvador, Senhor sem a idolatria oriunda de qualquer meio. Acho que essa resenha saiu um pouco fora do padrão, mas o livro também foi assim comigo. O que mais mexeu comigo nesse livro? Bem, muitas coisas:
1. A ideia de idolatria. Como posso ver que estou cheio desse terrível pecado em muitas áreas da minha vida! Todos sempre dizemos que idolatria é muito mais que imagens, mas não levamos isso muito a fundo. Ramachandra leva e com razão. Beleza, mídia, tecnologia.
2. A questão da fragmentação do ser. Isso é real na vida de muita gente (estou orando a Deus pela mudança!). Como somos estimulados a tratar tudo separadamente (profissional, estudantil, espiritual,...), em esferas que não se relacionam. A tratar conhecimento como algo que está dissociado da vida cotidiana. Que horrível isso! Não é assim que deve ser. É muito mais holístico.
3. A questão da fé e ciência foi muito importante para mim nesse livro, principalmente no capítulo 3,6 e 7. Ver a beleza da Criação e o envolvimento de Deus com ela (nunca havia lido nada assim!) e como a fé a ciência não são contrastantes – a ciência surgiu por causa da fé cristã! Já tinha lido muito sobre o assunto, mas nada assim.
4. A questão do sofrimento do capítulo 4 foi abordada de uma forma muito legal. Jó tinha o desejo de domar e possuir Deus (o que fazemos com muita frequência!), aprisionando-o a características humanas, num esquema previsível. Temos de deixar Deus ser Deus. O Deus de amor, graça, misericórdia, paz e justiça em quem confiamos. Ele tem os propósitos dEle no sofrimento.
5. A questão da responsabilidade na pesquisa científica. Como aluno e professor, esse foi um dos temas que achei bem legais no livro. Ficou de alerta para eu ver o quanto preciso refletir nessas coisas, da nossa responsabilidade na sociedade como profissional. Como poderei ser um engenheiro e um professor que estão atuando para o bem das pessoas ao redor?
6. A questão da soberania de Deus. Às vezes me preocupo extremamente com as coisas que estão acontecendo e até me angustio, e esqueço-me do Deus que criou todas essas coisas. Foi muito importante me lembrar disso. Ele está no controle. Isso tem que ficar muito bem lembrado na minha cabeça. Foi bem importante para mim isso no momento em que li, pois estava assumindo a presidência do GB de Goiânia, e estava com mil preocupações na cabeça.
O livro foi assim um conforto, um lembrete: o mesmo Deus que me escolheu, justificou, estava ali comigo, dando graça e eu nem para perceber isso. Fazer uma crítica é até difícil depois de uma obra tão bem construída como essa. Mas vamos tentar. Eu gostaria de ter visto um pouco mais de pessoalidade durante os capítulos. Acho que a vida do autor fala muito – é o ethos grego. Seria legal incluir uma autobiografia ou mesmo uma biografia no começo ou no fim do livro falando de quem é o autor com mais detalhes (ele cita um pouco de sua história em um dos capítulos).
O que vou levar para minha vida? Na verdade, tudo que me tocou e citei acima vou levar para minha vida, mas posso tirar uma lição mais geral: acho que a grande lição que tirei para mim desse livro é o olhar crítico a partir da fé. Nossa visão de mundo deve estar centrada na nossa fé em Cristo e nos grandes acontecimentos que Deus realizou e que nós realizamos: A Criação, a Redenção e a Nova Criação (Dele) e a Queda (nossa). Tudo que formos pensar deve passar por esse crivo – pois sei que foi assim que Ramachandra pôde escrever esse livro, pois percebo isso em tudo que ele diz. Que Deus dê sabedoria e entendimento para isso.
Por Paulo Sérgio Zanin Júnior, Abuense de Goiania - GO
Título: A Falência dos deuses
Autor: Vinoth Ramachandra
Editora:ABU Editora
Autor: Vinoth Ramachandra
Editora:ABU Editora
Páginas: 288
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